Ao longo da história, o ser humano sempre buscou consumir substâncias que causam alterações na percepção e no organismo (drogas, por definição farmacológica), isso inclui café, medicamentos, açúcar e substâncias psicoativas.
A filosofia, psicologia, medicina e sociologia parecem ter uma resposta por esse interesse humano.

As drogas proporcionam prazer e bem-estar, fascinam, curam, estimulam, acalmam, intoxicam, nos deixam sensíveis.
Há muitas respostas possíveis para por que gostamos de drogas. “As coisas nos deslumbram por sua capacidade de nos satisfazer. É por isso que ansiamos por elas”, escreveu a filósofa Giulia Sissa em Prazer e Mal: A Filosofia das Drogas.
O prazer é o motor da humanidade e o desejo sempre foi a matéria-prima preferida de filósofos e pensadores. “As drogas são muito eficazes para nossas tendências de prazer”, escreveu Sissa.
O prazer é talvez o maior removedor de tristeza. Aliviar o desconforto talvez seja uma das principais buscas da humanidade. “Todo prazer provavelmente nada mais é do que alívio”, supôs Platão.
Se na época dos profetas as drogas representavam uma conexão com os deuses, com a descoberta interior e analgesia, hoje elas são parte inseparável da sociedade. Cerca de 275 milhões de pessoas usaram drogas no mundo em 2020, segundo dados da ONU.
Por que as pessoas usam drogas
Uma médica e professora da Universidade de Rosario, Argentina, sempre atendeu dependentes de drogas e se dedicou a estudar sobre essas substâncias. Uma pergunta frequente que ela recebe até hoje é: ”por que as pessoas usam drogas?”
“Porque bate bem, tem um efeito taca-taca [sic] neles”, ela explica em entrevista para a Vice. Ela escolheu uma onomatopeia para descrever algo bastante difícil de de explicar.
Essa questão é estudada por farmacologistas, neuroespecialistas, biólogos, psicólogos e psiquiatras. Não sabemos exatamente como o cérebro funciona, mas a humanidade precisa de drogas.
“O cérebro dos mamíferos evoluiu para buscar o prazer e evitar a dor. Os circuitos motivacionais fazem com que os organismos interessados em viver e buscar experiências se sintam bem e evitem aquelas que são ruins ou podem fazer mal. As drogas atuam nos mecanismos de motivação e recompensa. Eles fazem parte da sobrevivência evolutiva, servem como adaptógenos para que as pessoas sejam mais eficientes em seu ambiente”, afirma o psicólogo clínico e doutor em farmacologia José Carlos Bouso.
As drogas são um ritual entre amigos, unem as pessoas. “Nas culturas tradicionais, seu uso é sempre feito na comunidade e os laços comunitários são fortalecidos. Esse maior estreitamento aumenta sua adaptação ao meio ambiente como animais sociais”, reafirma Bouso.
O uso de drogas é “uma resposta social. As substâncias como veículo de socialização reduzem as barreiras da interação social e historicamente foram usadas para nos desinibir”, diz o sociólogo e ativista de Bogotá, Julián Quintero.
As formas de prazer são produto da cultura. Mas eles também têm uma explicação nas interações químicas do cérebro, que são muito mais difíceis de definir porque ainda não são totalmente compreendidas.
Aí reside o prazer, o gozo, a satisfação e também o desprazer que pode surgir devido à dependência química ou psíquica. Ao superestimular esses centros de prazer, gera-se tolerância, o consequente aumento da dosagem e dependência.
Mensageiros químicos
Todo comportamento e sensação humana é possibilitado por uma rede de conexões neurais.
Milhões de “receptores” conectam o sistema nervoso central com as drogas. Seja café, mate, chá ou cocaína, seus ingredientes ativos se comunicam com neurotransmissores.
Os dois mais comuns são o ácido gama-aminobutírico (GABA), que inibe, e o glutamato, que estimula a atividade celular (e é o avô do intensificador de sabor na maioria dos alimentos processados).
São como mensageiros químicos que ligam ou desligam, estimulam ou desencorajam uma vizinhança de células nervosas responsáveis por regular a percepção, a motivação, o prazer e quase tudo o que sentimos.
Os neurotransmissores armazenam, sintetizam, liberam e ativam adrenalina, noradrenalina, melanina, serotonina, endorfina, dopamina, oxitocina e outros compostos. Todos eles produzem bem-estar que também é gerado por esportes, sexo, certos alimentos e outras atividades gratificantes.
A cocaína aumenta a serotonina e a dopamina, que parecem ser a chave química do porquê você gosta de drogas ou açúcar. Eles são os principais mensageiros nos centros de recompensa do cérebro.
O álcool aumenta a liberação de dopamina. MDMA, LSD ou cocaína são prazerosos porque liberam uma quantidade absurda de serotonina, principalmente nas doses a que o mercado clandestino habituou seus usuários. O neurotransmissor regula o humor, o sono, o desejo sexual e até o apetite ou a atenção.
Os opióides endógenos — que são liberados naturalmente pelo organismo — são analgésicos e sedativos, mas quando vêm de fora são muito mais poderosos.
“O prazer é tão saudável e natural que tem um centro no cérebro: o núcleo accumbens”, diz Peyraube. “Todas as drogas que produzem efeitos viciantes e dão prazer agem no núcleo acummbens, onde está o centro de recompensa; eles fazem você sentir prazer e quando não é estimulado nas doses habituais, aparecem o desprazer e a síndrome de abstinência”, explica o médico.
O núcleo accumbens é essencial no sistema dopaminérgico do cérebro que regula a atividade motora e libera dopamina diante do risco ou da tristeza, excita ou inibe a dopamina que regula emoções e sentimentos.
Faz parte da natureza animal
O prazer, devido ao moralismo herdado do vínculo religioso e político, é visto com desconfiança. Mas é algo fundamental para a construção da identidade humana, tanto quanto a poesia ou a música.
“Se alguém não busca prazer, tem um problema de saúde mental: anedonia. Alguém que não busca diversão chamaria minha atenção. Personalidade tem a ver com gostar de algo. E cada droga produz formas de prazer”, diz Peyraube.
Todos os animais buscam prazer nas drogas. O álcool é o mais difundido nas espécies animais. Tanto na selva, quanto nas cidades, é a maneira mais fácil de ficar chapado.
Girafas e elefantes percorrem dezenas de quilômetros para encontrar frutas fermentadas. Musaranhos pegam frutos da palmeira para se embebedar. As renas gostam da amanita muscaria (cogumelo que possui psilocibina), as onças da Amazônia comem a raiz de yagué, com a qual se prepara a ayahuasca, e insetos e roedores são pragas frequentes na papoula (planta com a qual se produz o ópio).
Existe uma lista de animais que procuram estados alterados.
“Filogeneticamente, nosso cérebro vem evoluindo, principalmente na linha dos mamíferos para buscar o prazer e evitar a dor”, comenta Bouso.
“A história biológica sugere que buscar a intoxicação por drogas é uma grande força motivadora do comportamento. Nossos sistemas nervosos, como os de roedores e primatas, são programados para responder a intoxicantes químicos da mesma maneira que às recompensas de comida, bebida e sexo”, escreveu Ronald Siegel – neurofarmacologista da Universidade da Califórnia – em seu livro Intoxication: The Universal Urge of Mind-Altering Substances.
Portanto, gostamos das drogas porque elas causam sensações boas (até se tornarem perigosas), porque há uma força motriz que nos leva a usá-las.
Porque satisfazem a insatisfação mesmo que momentaneamente, porque ativam a biologia animal, porque temos receptores para absorvê-las e um fígado para purificá-las.
Porque elas são um veículo para socializar e festejar. E, principalmente, porque existem receptores químicos, neurotransmissores e o sistema dopaminérgico.
Fonte: Vice