Enquanto aguardamos a legalização, já existem projetos focados no potencial brasileiro para cultivo e produção de cannabis para fins medicinais, científicos e industriais, como é o caso da ADWA Cannabis.
Fundada em 2018, a ADWA está localizada em Viçosa (MG) – cidade considerada o Vale do Silício da Cannabis – e é uma startup brasileira que desenvolve pesquisas e tecnologias voltadas para a cadeia produtiva da cannabis e seus derivados no Brasil.
A ADWA fornece tecnologia para melhoramento genético, desenvolvendo variedades (strains) de cannabis altamente produtivas, adaptadas às condições de clima e solo do Brasil; e desenvolve softwares para planejamento, gestão e rastreabilidade do cultivo e produção de cannabis, aumentando a qualidade e produtividade final.
Estas são as principais áreas de atuação da ADWA, mas já existem mais projetos desenvolvidos e em desenvolvimento. A empresa foi responsável por identificar que 7 milhões de quilômetros quadrados do Brasil têm ótimo potencial para cultivo da cannabis, o que poderia transformar o país em um dos maiores produtores de cannabis do mundo. Visando o potencial brasileiro no mercado canábico, a ADWA busca contribuir com a soberania econômica, sustentabilidade do agronegócio e desenvolvimento social do país. As soluções da empresa já garantiram prêmios e reconhecimento internacional.

Em entrevista, o Diretor Executivo da ADWA, Sérgio Rocha, nos conta como tudo começou, projetos em desenvolvimento, os desafios que existem para trabalhar na área canábica no Brasil, e mais. Confira:
Como surgiu a ideia de criar uma startup focada na cadeia produtiva da cannabis?
”Em 2015 eu percebi que, com a crescente demanda das famílias brasileiras pelo acesso a produtos à base de cannabis, incluindo famílias que já reivindicavam o direito ao auto cultivo, faltavam tecnologias nacionais para que o Brasil pudesse ser autossustentável na produção e competitivo internacionalmente no mercado da Cannabis. Como principal gargalo para incluir o país no agronegócio mundial da Cannabis, eu identifiquei a falta de variedades (strains) adaptadas às condições de clima e solo brasileiros, e resistentes as pragas locais, que permitisse o cultivo com as garantias de qualidade necessárias e a baixo custo.
Neste sentido direcionei a minha formação acadêmica e profissional para atuar nesta área e, através de programas de incentivo ao empreendedorismo, surgiu a ideia de fundar uma empresa de melhoramento genético e desenvolvimento tecnológico para a cannabis como forma de dar vazão prática às pesquisas acadêmicas e impulsionar o mercado legal da cannabis no Brasil”.

Como funciona para vocês conseguirem realizar o plantio e pesquisas científicas com cannabis no país? É necessária alguma autorização judicial?
”Oficialmente nós estamos solicitando autorizações para o início da pesquisa através da Universidade Federal de Viçosa desde 2018, mas foi necessária uma ação judicial movida pela ADWA Cannabis para que os experimentos pudessem ser realizados. Após a concessão da autorização, foi firmado um acordo de cooperação técnica com a universidade para o desenvolvimento conjunto de tecnologias. Atualmente nossos projetos também são apoiados pelo MCTI através do CNPq e FAPEMIG”.
A ADWA desenvolve tecnologias relacionados à cadeia produtiva da cannabis e seus derivados. Vocês tem mais projetos sendo desenvolvidos na área?
”Temos outros projetos que já estão em andamento, visando o desenvolvimento de outras tecnologias para dar suporte e solucionar problemas em outras etapas do processo de produção. Por sermos uma iniciativa que surgiu em uma das universidades com maior aptidão para o desenvolvimento de tecnologias e formação de mão de obra qualificada para o agronegócio brasileiro, temos uma aptidão inerente à inovação na agricultura, e tudo o que pensamos em relação a novos produtos tem como base modelos de agricultura 4.0, ou seja, integração de sistemas informatizados capazes de gerar modelos que aumentem a eficiência de processos fundamentais ao sucesso dos cultivos agrícolas. Então podemos esperar soluções que vão desde o desenvolvimento das sementes até as operações de manejo e pós-colheita.
É claro que em determinado momento do desenvolvimento de alguns produtos esbarramos na falta de um mercado brasileiro estabelecido que absorva a tecnologia e por isso trabalhamos para que alguns dos nossos produtos possam ser adaptados para uso em uma escala global”.

Na sua opinião, quais os maiores desafios em trabalhar na área canábica no Brasil?
”Acredito que o primeiro desafio é o moral. Ainda existe o grande estigma de que maconha tem a ver com irresponsabilidade, falta de produtividade e de profissionalismo. E infelizmente ainda tem muitas pessoas que olham para a maconha como uma oportunidade de negócio, mas ainda discriminam as pessoas que estão realmente ligadas neste setor já há algum tempo. Então essa barreira está ligada ao preconceito e ao racismo estrutural que acabam por aumentar as dificuldades para novas ideias com grande potencial inovador.
Em consequência a isso, temos uma barreira legal e regulatória, devido à ausência de uma legislação atualizada em relação não apenas ao mercado da cannabis, mas em relação à política de drogas como um todo. E essa barreira gera um atraso imenso, pois não podemos desenvolver pesquisas, consequentemente não temos produtos, consequentemente não temos um mercado legal seguro, bem estabelecido e amplo, embora a demanda seja enorme. Isso contribui com o mercado ilegal, o que acaba reforçando a primeira barreira, já que quem está neste mercado acaba sendo associado aos impactos negativos associados erroneamente à maconha.
Um terceiro ponto sensível é a insegurança administrativa e econômica do país, o que acaba reduzindo as possibilidades de investimento em novos negócios, principalmente em negócios de risco, como o caso da cannabis. Os investidores brasileiros tradicionalmente são conservadores e o mercado internacional, embora esteja antenado nas movimentações brasileiras, ainda não tem uma perspectiva bem definida de como o processo regulatório irá ocorrer no país. Mas este contexto também é uma oportunidade para empreendedores e investidores arrojados e que tenham visão de futuro, resiliência e coragem de enfrentar essas barreiras”.

O Projeto de Lei 399/15, que visa regulamentar a cannabis para fins medicinais, científicos e industriais, é um passo importante para o país. Entretanto, existem diversas críticas ao Projeto. Qual a sua opinião sobre o PL?
”Vejo o PL 399/15 como a melhor oportunidade das últimas duas décadas em termos de avanços práticos relacionados à cannabis no Brasil. Embora a Lei 11.343 tenha sido assinada em 2006, prevendo autorizar o cultivo para fins medicinais e científicos, isso não aconteceu. O resultado desta lei foi um retrocesso em relação à política de drogas e acabou por ampliar o número de encarceramentos da população pobre por pequenas quantidades de maconha.
Em relação à produção agrícola o projeto está bem estruturado, possui normas que garantem a segurança dos cultivos, e ao mesmo tempo não inviabilizam que associações e cooperativas de produtores possam participar deste setor da economia. Embora algumas normas para a formulação e manipulação dos produtos ainda sejam bem rígidas devido às exigências fitossanitárias.
Além disso, o Projeto remete à legislações do MAPA já consolidada em relação à introdução e estabelecimentos de novas culturas agrícolas no país facilitando e favorecendo o estabelecimento deste setor de forma segura no Brasil.
Mas o projeto possui pontos que podem ser melhorados com o tempo e algumas falhas que não poderiam ter sido ignoradas neste momento inicial.
A falta de um direcionamento para que a arrecadação de impostos deste novo mercado seja direcionada para áreas prioritárias, como campanhas de prevenção ao uso abusivo de drogas ou programas de investimento em saúde e educação, prioritariamente em regiões que historicamente são mais afetadas devido ao tráfico de drogas, é um ponto fundamental que deveria ter sido incluído nesta discussão.
O auto cultivo, uma reinvindicação antiga em prol da maior acessibilidade, precisa ser levado em consideração e discutido de forma ampla e clara, tendo em vista que apenas a sua regulamentação não irá resolver o problema do acesso, mas excluí-lo completamente também reduz as opções e autonomia de muitos pacientes.