A Holanda se tornou um exemplo para o mundo com sua política de drogas. Apesar de muitos verem a abordagem do país como permissiva, os resultados de tal política provam que, com as medidas adequadas, focando em redução de danos, é possível resolver (ou pelo menos diminuir) muitos dos problemas de saúde e segurança pública relacionados às drogas.
Basicamente, o que o governo holandês percebeu (e parece difícil dos demais países entenderem) é que a oferta e demanda de drogas não vão acabar.
Tentar colocar fim nisso já se mostrou um fracasso. Esse era o objetivo da Guerra às Drogas, que se mostrou como uma das políticas mais desastrosas das últimas décadas.
Ano após ano, o consumo de drogas só aumenta. Portanto, a melhor abordagem é lidar com isso através de redução de danos, não só para o usuário, mas para a sociedade como um todo. É o que a Holanda faz.
Medidas do governo holandês
A premissa básica da política de drogas da Holanda é que todo ser humano pode decidir sobre sua própria saúde.
Os holandeses tentam, tanto quanto possível, descriminalizar o uso de drogas, tornando-o um assunto privado de cada indivíduo, e não um assunto relacionado à repressão estatal.
A produção, o comércio e o armazenamento de drogas continuam a ser crime, mas o consumo de algumas substâncias não.
Dessa forma, desde a década de 1980, o governo da Holanda instituiu medidas de redução de danos. Algumas delas, que seguem vigentes até hoje, são:
Separar as drogas entre ”drogas pesadas” x ”drogas leves”
Como drogas diferentes acarretam riscos diferentes, o governo holandês defende que elas deveriam ser tratadas de maneira diferente.
A separação foi feita com base nos riscos de cada substância para a saúde do indivíduo. As ”drogas leves” são as que causam menores riscos, como a cannabis, peyote, sálvia, e um tipo de cogumelos que eles chamam de ”truffles”. Cocaína, heroína e morfina, por exemplo, são ”drogas pesadas”.
Para as drogas leves, o consumo pessoal é permitido, mas existem algumas leis que limitam a quantidade permitida, a quantidade de produção e venda, bem como estabelecem que dirigir sob efeito destas drogas é proibido.
As drogas pesadas são proibidas. Mas, mesmo assim, o governo fornece aparato para o consumo seguro.

Coffeeshops para garantir acesso seguro à maconha
Ao permitir a criação dos coffeeshops, a ideia do governo era separar o acesso à maconha das drogas mais pesadas.
Como a cannabis é a substância mais consumida do mundo, a Holanda percebeu que o melhor era garantir um acesso seguro. Assim, ao invés de comprar do mercado ilícito, onde os traficantes acabam comercializando drogas mais pesadas também, as pessoas podem comprar em lugares destinados à venda de cannabis com boa procedência e consumir dentro desses lugares, evitando que elas tenham acesso a outras drogas, uma vez que o coffeeshop é 100% dedicado à venda e consumo de maconha.
Além disso, os coffeeshops geram em torno de meio bilhão de dólares em receita para o país, permitindo que o governo utilize o dinheiro proveniente dos impostos para investir em saúde pública.

Tirar o foco das pequenas apreensões para combater o grande tráfico
Ao legalizar a substância mais consumida (cannabis), a polícia não precisa focar em apreensões de maconha, mas sim em conter a entrada, produção e venda de drogas pesadas, como heroína e cocaína.
Outro ponto: se o consumo de drogas leves fosse criminalizado, o governo acredita que ”misturar” consumidores ou até mesmo comerciantes destas drogas com consumidores e comerciantes das drogas pesadas, poderia causar uma influência extremamente negativa sobre os indivíduos que só querem fumar um baseado, por exemplo.

Suporte para consumo seguro
No auge da crise da heroína no país, na década de 1970/1980, o governo implementou o primeiro programa do mundo de agulhas e seringas, além de fornecer um espaço seguro destinado ao uso de drogas injetáveis, com o suporte de profissionais da saúde.
O governo também adotou um programa de terapia com agonistas opióides, que consiste em um tratamento em que os agonistas opióides prescritos são administrados a pacientes que vivem com dependência de opióides.
O país também tem um programa de abastecimento de metadona (substituto de heroína) para os usuários desta droga, e oferece testagem gratuita de pílulas de ecstasy, para evitar o consumo de substâncias com compostos letais.
A Holanda também fornece serviços que vão além do acesso e uso de drogas seguro. Suporte social e serviços de bem-estar também fazem parte da política de drogas do governo.

Educação e divulgação de informação sobre drogas sem tabus
A política de drogas também tem como foco investir em programas de educação da população.
Um destes programas de educação é o ”Drugslab”, um programa financiado pelo Ministério de Educação, Saúde e Ciência, disponível no YouTube.
A cada semana, a equipe do programa escolhe uma droga para consumir na frente das câmeras e discutir sobre os efeitos adversos, riscos, como consumir de maneira mais segura e quais sensações a droga pode causar, o que evitar fazer e o que fazer se acontecer algum efeito indesejado. Enquanto acontece toda essa parte informativa, o membro que consumiu a droga vai relatando como está se sentindo.
A equipe do DrugsLab já experimentou desde cocaína, sálvia, LSD até peiote, ayahusca, e MDMA dentro do programa. A ideia é educar os usuários para que o uso de cada substância seja o mais seguro possível. Trata-se pura e simplesmente de redução de danos.
A própria equipe afirma que informar é a melhor ferramenta. Para eles, as pessoas vão usar drogas de qualquer forma, então que isso possa ser feito da maneira mais segura. Isso reflete o posicionamento do governo holandês quanto à abordagem em relação às drogas.
A parte legal é que o mundo todo tem acesso aos episódios, não apenas a população holandesa, uma vez que todos os episódios estão disponíveis no YouTube. O canal Drugslabs já tem mais de 1 milhão de inscritos e até uma versão em português.
Resultados
Ao contrário do que muitos acreditam, essa abordagem mais ”branda” adotada pela Holanda não levou ao aumento de drogas, aumento da violência relacionada ao tráfico, aumento de overdoses, aumento de abuso de substâncias pesadas.
Muito pelo contrário, a abordagem de redução de danos do país provou ter resultados melhores do que uma abordagem pautada no proibicionismo.
As estatísticas do país mostraram que o uso de maconha entre jovens é em torno de 20%, enquanto nos demais países da Europa, fica entre 30% e 40%. O governo acredita que o acesso facilitado faz perder o apelo.
Ao tornar o acesso à maconha legalizado, a Holanda diminuiu o acesso a drogas pesadas. Segundo o monitoramento de drogas europeu, apenas 14% dos usuários de maconha acabam tendo acesso a outras drogas ao comprar maconha. Na Suécia, país quase vizinho, 52% dos consumidores de maconha têm acesso a outras drogas ao comprar cannabis.
A abordagem de redução de danos também contribuiu para que a Holanda eliminasse a transmissão de HIV por drogas injetáveis e diminuísse o risco de transmissão de hepatite B e C, que eram fortemente presentes no país.
Além disso, de acordo com um relatório do Observatório Europeu de Droga e Toxicodependência, a Holanda tem uma das taxas mais baixas de mortalidade induzida por drogas e uso de opiáceos, em comparação com os seus vizinhos da Europa. Uma reportagem do The Guardian, ainda aponta que o país tem baixos índices de uso de drogas pesadas em comparação com outras partes da Europa.
É importante destacar que existe bastante criticismo quanto à política de drogas ”liberal” da Holanda e ainda existem alguns problemas na legislação do país em relação às drogas. Porém, nosso foco é mostrar como a abordagem de redução de danos, que compreende várias medidas focando na saúde, segurança e bem-estar dos usuários e da sociedade, trouxe retornos positivos para a população holandesa.