Ao estudar sobre a escravatura brasileira, é fácil relacionar o proibicionismo da maconha.

A cannabis e a escravatura se mesclam na história do país desde o processo de “descobrimento” do Brasil, bem como na cultura afrodescendente e, claro, na política brasileira, que perpetua, até hoje, diretrizes estabelecidas ainda no período escravocrata.

A cannabis na colonização brasileira

Registros históricos apontam que a cannabis chegou primeiramente no Brasil nas caravelas de Pedro Álvares Cabral, que continham velas, cordas e trapos confeccionados a partir do cânhamo. O cânhamo possuía diversas utilidades, desde a confecção de papel até roupas, e era amplamente utilizado por ser muito mais resistente que fibras como a do algodão. 

Já o uso ”recreativo” da cannabis chegou aqui com os escravos, principalmente os oriundos de Angola, que trouxeram escondidas as sementes da planta.

A origem dos termos que denominam a maconha são provenientes da África. Pito de Angola ou diamba, nomes mais triviais até as primeiras décadas do século XX, denominavam o fumo consumido principalmente nos momentos de rituais religiosos dos negros. 

Durante séculos não houve problema no consumo da maconha, tendo sido utilizada, inclusive, em preparações medicinais aqui no Brasil e por membros da Coroa portuguesa. Mas na segunda metade do século XIX, esse quadro começou a se modificar, pois começaram a chegar no Brasil as notícias (vindas da Europa) sobre os efeitos hedonísticos da maconha.

Assim, no Brasil República, autoridades passam a participar das Conferências Internacionais do Ópio e começam a defender a necessidade da repressão às drogas. A partir dos argumentos das autoridades estrangeiras nas Convenções Internacionais, o Brasil se apropria da proibição como ferramenta de controle racial e social.

Abolicionismo e controle 

Com a Abolição, em 1888, e consequente ”perda de controle” sobre a população negra (controle este proporcionado pela escravidão), se viu necessário criar outras maneiras para controlar a cultura afrodescendente, que naquele momento passava por um processo de tentativa de pertencimento ao tecido social existente. 

Nessa época, cigarros de maconha eram vendidos em lojas e tabacarias, também no centro, mas principalmente nas periferias das cidades, onde a população negra recém-liberta se estabeleceu. O uso recreativo crescia também entre os brancos pobres e chamava a atenção das elites, que a fim de reprimir costumes e a cultura afrodescendentes, passou a considerar a cannabis mais perigosa que o ópio, segundo relatos da II Conferência Internacional do Ópio, defendendo sua proibição.

A partir dos anos 1930, o discurso do proibicionismo se tornou mais intenso. E o processo de estigmatização da cultura negra é acentuado frente ao crescimento dos centros urbanos, que tanto acelerava o processo de aumento do uso, quanto preocupava os interessados na repressão. 

Cultura

Paralelamente, outros fenômenos também se alastravam pela sociedade brasileira e chamavam atenção para a necessidade de controle das autoridades: o samba, a capoeira e a umbanda, todos elementos fundamentais na construção do significado de uma coletividade negra brasileira. 

Em 1934, é instituída a Delegacia de Costumes, Tóxicos e Mistificações, encarregada de fiscalizar e tratar o uso da maconha, já criminalizado então, e ao mesmo tempo reprimir rodas de samba, capoeira e ritos de umbanda no país. A Delegacia atuou não somente na repressão ligada ao proibicionismo, mas também na da cultura religiosa e do folclore negro, elevando ao nível criminoso a prática de certos hábitos desta população. Anos após, tais práticas foram liberadas, mas a proibição da cannabis continuou e a política de drogas segue tendo como objeto de repressão a população negra e pobre.

É possível observar como a criminalização da cannabis acompanhou a estigmatização da população negra, que refletiu no racismo estrutural, ainda arraigado na sociedade brasileira. Até hoje, o proibicionismo da cannabis, que evoluiu para a Guerra às Drogas que conhecemos hoje, segue tendo como alvo negros e pobres, mostrando como a Lei de Drogas brasileira carrega em suas bases a opressão racial, econômica e social.

Além da luta pela legalização, se vê necessária a luta pelo abolicionismo penal.

É desse cenário desleal, incoerente e historicamente desprovido de respeito às diferenças, que se conclui “500 anos de Brasil e o Brasil aqui nada mudou” (Racionais MC’s). 

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